...



Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, o último bilhete de Ana nas mãos, olhando pela janela os vermelhos e os dourados do céu. E lembro que pensei agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou, e depois de algum tempo em que o telefone não tocou, e podia ser Lucinha da agência ou Paulo do cineclube ou Nelson de Paris ou minha mãe do Sul, convidando para jantar, para cheirar pó, para ver Nastassia Kinski nua, perguntando que tempo fazia ou qualquer coisa assim, então pensei agora a campainha vai tocar. Podia ser o porteiro entregando alguma correspondência, a vizinha de cima à procura da gata persa que costumava fugir pela escada, ou mesmo alguma dessas criancinhas meio monstros de edifício, que adoram apertar as campainhas alheias, depois sair correndo. Ou simples engano, podia ser. Mas a campainha também não tocou, e eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um aquário, o bilhete de Ana nas mãos, sem fazer absolutamente nada além de respirar.

(Sem Ana, Blues, in: Os Dragões Não Conhecem O Paraíso- CFA)

________________________
Mas fique tão tranqüilo — e humilde, e confiante — quanto possível. É só uma fase, só um estágio. Vai passar.

(Caio Fernando Abreu. Carta a Sérgio Keuchgerian. Na cidade alagada, 27 de janeiro de 1987
____________________

Hoje não quero falar nada.
Só deixar isso tudo passar.
Diminuir a dor...
E achar algo que me convença que minha vida vale a pena sim, que eu ainda vou ser feliz sim, que as coisas ainda vão dar certo.

Canso de criar expectativas.
Mesmo já tendo aprendido tantas vezes como isso me machuca no final...

Comentários